Ortodoxia Reformada


Monumento à Reforma em Genebra na Suíça
Alderi Souza de Matos

Além dos líderes principais - Zuínglio, Bullinger, Bucer e Calvino - o movimento reformado teve muitos outros teólogos significativos. João Ecolampádio (1482-1531), o reformador de Basiléia, foi aliado de Zuín­glio e deu grande contribuição na área de estudos bíblicos e patrísticos. Wolfgang Fabricio Capito (1478-1541) foi companheiro de Bucer em Estrasburgo e era um erudito com doutorados em medicina, teologia e direito. O polonês Jan Laski (1499-1560) era humanista e amigo de Erasmo de Roterdã, cuja biblioteca adquiriu; foi pastor em vários países e escreveu importantes declarações doutrinárias. Pedro Mártir Vermigli (1499-1562), natural de Florença, lecionou teologia em Estrasburgo, em Oxford (a convite do arcebispo Thomas Cranmer) e em Zurique. Zaca­rias Ursino (1534-1583) na juventude foi amigo e discípulo de Melanchton em Wittenberg. Indo para o Palatinado, tornou-se o principal autor, ao lado de Gaspar Olevianus, do apreciado Catecismo de Heidelberg (1563), a confissão de fé da Igreja Reformada Alemã. Jerônimo Zanchi (1516-1590), um discípulo de Vermigli, foi pastor e professor de teologia em Estrasburgo e Heidelberg, onde sucedeu Ursino. Escreveu obras teo­lógicas sobre temas como a predestinação e a doutrina da Trindade. 

Todavia, o representante clássico da ortodoxia reformada foi Teodo­ro Beza (1519-1605), que sucedeu Calvino como líder do movimento reformado na Suíça. Atuou como diretor e professor de teologia na Academia de Genebra de 1559 a 1599 e foi um teólogo influente em todo o movimento. Era um erudito do Novo Testamento, tendo publi­cado uma valiosa edição do Novo Testamento grego. Suas principais obras de teologia foram Confissão da fé cristã (1560) e Tratados teológicos (1570-1582). Elaborou o pensamento de Calvino, dando-lhe ênfases e orientações novas no tocante à inspiração das Escrituras, predestina­ção, expiação limitada e governo presbiterial. Fez uma defesa racional da teologia do seu ilustre predecessor, esclarecendo algumas tensões não resolvidas dessa teologia. Os estudiosos interpretam seu trabalho de maneiras diversas: alguns opinam que ele causou a distorção e o enrije­cimento da teologia calvinista, outros entendem que ele contribuiu para a explicitação e aperfeiçoamento do pensamento de Calvino. 

A partir de uma reflexão sobre os decretos de Deus, Beza formulou uma posição teológica denominada "supralapsarisrno" (de supra = antes e lapsus = queda). Calvino havia ensinado a doutrina da predestinação, mas a situou dentro da soteriologia, como parte da atividade graciosa de Deus, admitindo que se tratava de uma área difícil, delicada e miste­riosa. Beza deu maior ênfase a essa doutrina e a situou dentro da doutri­na de Deus, aproximando-se mais de Zuínglio que de Calvino. Visando proteger a doutrina da predestinação de qualquer possibilídade de si­nergismo, ele e outros calvinistas ortodoxos desenvolveram o supralap­sarismo ao refletir sobre a ordem lógica (não cronológica) dos decretos de Deus. 

Nessa corrente, a ordem do decretos ficou sendo a seguinte: 1. De­creto de predestinar alguns para a salvação; 2. Decreto de criar o mundo e a humanidade; 3. Decreto de permitir a Queda; 4. Decreto de prover os meios de salvação (Cristo e o evangelho); 5. Decreto de aplicar a salvação aos eleitos. 

Como se pode observar, o decreto de predestinação é o mais funda­mental, antecedendo todos os demais, em especial o de permitir a queda. Daí o termo supralapsarismo, isto é, antes da queda. Outros teólogos ortodoxos elaboraram uma posição um pouco diferente - o "infralapsa­rismo". Ou seja, o decreto de predestinação é posterior à queda, da se­guinte maneira: 1. Decreto de criar o mundo e os seres humanos; 2. Decreto de permitir a Queda; 3. Decreto de predestinar para a salvação ou a perdição; 4. Decreto de prover os meios de salvação (Cristo e o evange­lho); 5. Decreto de aplicar a salvação aos eleitos. 

Assim, no supralapsarismo o propósito de Deus é glorificar a si mes­mo pela predestinação, no infralapsarismo, seu propósito é glorificar-se pela criação. No primeiro caso, o decreto se aplica aos homens como criaturas; no segundo, se aplica a eles como pecadores. 

Na segunda metade do século XVI, os partidários dessas duas cor­rentes gradualmente formularam um sistema de teologia calvinista que posteriormente recebeu a designação de "cinco pontos do calvinismo". Esses pontos são os seguintes:
  1. Depravação total: os seres humanos estão mortos espiritualmente até que Deus os regenere e lhes conceda graciosamente a dádiva da salvação.
  2. Eleição incondicional: Deus escolhe alguns seres humanos para a salvação, independentemente de qualquer coisa que eles possam fazer.
  3. Expiação limitada: Cristo morreu somente para salvar os eleitos; sua morte expiatória não foi em benefício de todos.
  4. Graça irresistível: não é possível resistir à graça de Deus; o eleitos serão certamente salvos.
  5. Perseverança dos santos: os eleitos perseverarão inevitavelmente para a salvação (eterna segurança).
Em inglês, as iniciais dessas expressões formam a palavra tulip ("tuli­pa''), nome pelo qual ficaram conhecidas historicamente. Essas posi­ções foram vistas como decorrências necessárias da plena soberania de Deus. 

Outros destacados teólogos reformados do período da ortodoxia fo­ram os holandeses Gisbertus Voetius (1588-1676) e Johannes Cocceius (1603-1669). Cocceius escreveu a obra Suma da doutrina do pacto e do testamento de Deus, na qual elaborou a teologia federal ou do pacto. O francês Moíse Amyraut ou Amiraldo (1596-1664), ligado à Escola de Saumur, defendeu a concepção conhecida como "universalismo hipo­tético" ou arniraldismo. Cristo morreu por toda a humanidade, mas a sua redenção beneficia somente os eleitos. 

O mais importante teólogo sistemático da ortodoxia reformada no continente europeu foi o ítalo-suíço François Turretin ou Francisco Tur­retíno (1623-1687). Ele se tomou professor de teologia na Universidade de Genebra em 1653 e foi co-autor da Formula consensus helvetica (1675), que afirmou a preservação da integridade do texto bíblico ao longo dos séculos. Escreveu uma teologia sistemática muito influente, Institutio theologiae elencticae ("Compêndio de teologia apologética", 1679-1685), que seria utilizada por muitos anos no Seminário de Princeton, nos Estados Unidos, servindo de base para a chamada Teologia de Prince­ton. Ironicamente, seu filho Jean-Alphonse liderou uma reação liberal que em 1725 levou à rejeição dos Cânones de Dort e da Segunda confissão helvética em Genebra.

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Fonte: Fundamentos da Teologia Histórica, Alderi Souza de Matos, Ed. Mundo Cristão, pág. 179-182.